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domingo, 30 de março de 2014

CIUME PODE VIRAR DOENÇA


As crises de ciúme provocadas pela infidelidade de seu esposo, Zeus, marcaram o comportamento da deusa grega Hera em muitos episódios da mitologia.

  CIUME PODE VIRAR DOENÇA 
 Por Nicéas Romeo Zanchett 
                A relação amorosa cria laços únicos, talvez os mais intensos que somos capazes de formar.  Além do envolvimento sexual, há a união, a cumplicidade e a entrega. Quando a traição vem romper esses laços, a raiva que sentimos é proporcional ao afeto anterior. 
                O ciume é um alerta. É um fantasma perigoso que solapa nossa segurança e alimenta nossos medos mais profundos e secretos. Ele consegue desarticular o ego adulto e fortalecer os aspectos infantis que contém. Tem enorme capacidade de nos transformar em crianças assustadas, chorando pelos cantos, flagelando-se destrutivamente, ameaçadas e sem controle. A dor funciona como um alarme, dizendo para prestar atenção, tomar cuidado com os efeitos nocivos à saúde e bem estar em geral.  Por outro lado, a negação do ciume, embora pareça uma atitude mais moderna, é arriscada e pode até levar à alienação, à ansiedade e às tentativas disfarçadas de vingança. 
                  Os sentimentos gerados pelo ciume são tão primitivos que muitas vezes nos arrastam a atitudes completamente fora do nosso padrão de comportamento. O problema é como lidar com esse sentimento tão intenso. Em geral quando estamos com ciume reagimos com gritos, choro, acusações, ou até mesmo com um silêncio ressentido. Nesse contexto, nem apresentamos nossos sentimentos de forma clara, nem criamos um clima propício para discutir o assunto amigavelmente. 
                    Sentir ciumes é basicamente sofrer por uma situação hipotética, decorrente de interpretações distorcidas que o ciumento faz dos sinais que recebe. A sexualidade humana depende muito das fantasias geradas no cérebro e, portanto, da imaginação criada em relação ao parceiro. Perder o amor é o medo maior. Geralmente basta imaginar que a pessoa amada está interessada por alguém para que nossos dias se encham de sofrimento. E tanto mais sofremos quanto mais somos desconfiados, vendo ameaças onde não existem. Ás vezes a sexualidade desenfreada que atribuímos ao parceiro é aquela que nos mesmos gostaríamos de estar vivendo. 
                    A paixão pode ser uma perigosa fronteira entre o amor e a loucura. Quando estamos apaixonados temos nosso equilíbrio orgânico alterado pelo poder irresistível dos hormônios sexuais. É tão poderoso que afeta até mesmo a nossa aparência física, Transformando-se tanto num tratamento de beleza quanto num destruidor de belas feições. A origem da nossa pele é a mesma do sistema nervoso central, a crista neural. Tanto que nos casos de estresse e de infelicidade, aparecem micoses, eczemas e até queda de cabelos. O ciúme patológico sensibiliza todo o corpo e altera seu funcionamento neuroquímico. Quando muito acentuado, esse desequilíbrio, leva o apaixonado a um estado de loucura muito perigoso. Ele se anula, investe tudo na pessoa amada e não consegue ver mais ninguém a seu redor. O doente apaixonado vive obcecado pelo medo de perder sua amada. É capaz de verdadeiras loucuras para agradar ao outro e muitas vezes perde a capacidade de se concentrar em suas rotineiras atividades. O pior é que geralmente nem percebe que está à beira do abismo. 
                   O ciume sempre conduz à acusação. E isto só faz colocar o outro na defensiva e leva a discussão a um impasse. 
                   Os ciumentos mais violentos são as pessoas possessivas e inseguras. Para elas o amor sempre se transforma em armadilha, pois estão certas de que, se não controlarem a pessoa amada, ela irá trair ou até sair de sua vida. Por serem dessa forma não conseguiram desenvolver a própria autoestima e com essa atitude tentam fabricar uma identidade para si através da "fusão" com o parceiro ou parceira, de quem ficam dependentes. Diante de uma desconfiança entram em pânico e com medo de que sua metade possa deixá-lo. Não são raros os casos extremos que levam à obsessão ou até a  loucura; daí para cometer um crime passional é um curto passo.
                    As reações ao sentimento de ciume por uma traição, mesmo que imaginária, é diferente entre os sexos. A mulher ciumenta busca desesperadamente uma forma de salvar a relação. Já o homem, na mesma situação, fica mais enraivecido, mas sua maior preocupação é proteger a autoestima.  Com a entrada em cena de uma rival, algumas mulheres se encolhem enquanto outras ficam tão tomadas pela disputa que "vencer" se torna uma questão de honra. Essas reações estão ligadas à infância e são explicadas pela psicanálise como fantasias relacionadas ao complexo de Electra. (Aquela idade entre os 4 e 7 anos que as meninas competem com a mãe na conquista do pai). Com a chegada da idade adulta, qualquer rival que ameace o equilíbrio de uma relação amorosa reaviva esses sentimentos reprimidos. 
                   Ao contrário do que muitos imaginam, o ciume exagerado não é prova cabal de amor, mas de insegurança e falta de confiança no parceiro por quem está apaixonado. O ciumento é abusivo e pode destruir o amor e a confiança da outra pessoa. Torna-se muito difícil estar num relacionamento no qual tenha que se manter sempre na defensiva e constantemente culpado por tudo o que acontece  à sua volta. Tudo é muito cansativo e nenhuma explicação parece satisfazer o ciumento. Esse permanente estado de atenção gera estresse e muitas vezes o ciumento se torna dependente dos esforços que seu parceiro faz para não provocar suas suspeitas. A vítima do ciumento também pode ficar dependente das incessantes exigências que ele faz. Um relacionamento assim geralmente não tem futuro, pois o ciumento não muda a não ser diante de um ultimato. Ele precisa de terapia para se livrar das ansiedades que motivam seus ciumes exagerados, mas dificilmente reconhece a realidade para buscar ajuda. 
                    O sofrimento causado pelo ciume sempre vem acompanhado da vergonha e da culpa por ser ciumento. Melhor seria se, em vez de ficar horrorizado com os sentimentos, tentasse  entendê-los e aceitá-los. Se conseguir admitir honestamente o ciume, e falar das ansiedades e fantasias de abandono, verá que o sofrimento se transforma ou mesmo desaparece. Cada um dos amantes deve aprender a deixar a superfície e descer às raízes, ao sentimento de desamparo. Assim se protege a relação, dando-lhe possibilidade de crescer. 
                     Geralmente a infidelidade esconde um problema mais profundo da relação. Algumas relações até melhoram depois que uma traição é detectada e discutida de forma adulta. O trauma de uma infidelidade pode levar o casal a reavaliar sua relação e  a analisar seus pontos cruciais. São inúmeros os casos em que a traição foi a forma encontrada por um dos parceiros para forçar uma confrontação e juntos encontrar o melhor caminho para um verdadeiro amor. Por mais doloroso que seja, o ciume é também um companheiro inevitável do amor e prova de atenção permanente. Ter ciume é "querer" e também é disposição para lutarmos pelo amor de  nossa vida. 
                    Na verdade, a diferença ente o ciume normal e o patológico se confundem. Em sua forma normal pode ter uma função biológica ancestral. De acordo com os antropólogos que estudaram o assunto, se não fosse necessário para a evolução da espécie, esse sentimento já teria desaparecido. A paixão equilibrada é aquela cujo amor é estrutural, que gera felicidade e é o melhor cosmético que a natureza criou para manter a beleza. Quando a pessoa está apaixonada a pele fica mais radiante, bonita, os olhos brilham, os cabelos ficam mais sedosos. 
                     Como tudo na vida, o amor e a paixão também precisam ser equilibrados. 
Nicéas Romeo Zanchett

                      

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