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domingo, 19 de janeiro de 2014

OS VÍRUS QUE ABALARAM O MUNDO


OS VÍRUS QUE ABALARAM O MUNDO 
Por Nicéas Romeo Zanchett 
                      A população mundial atingiu sete bilhões de seres humanos. Isto se deve á vertiginosa procriação e à longevidade. Mas também, e principalmente, pelo avanço científico que tem conseguido controlar os vírus que no passado provocaram as grandes tragédias. 
                       Hoje sabemos que aquelas tragédias eram causadas mais por fatores socioambientais do que pelas características genéticas da patologia. Essa conclusão só foi possível porque, coletando vírus de sangue de quatro ossadas, os pesquisadores conseguiram reconstruir todo o genoma da peste. É a primeira vez que uma enfermidade antiga tem seu DNA inteiramente desvendado. 
                      As pestes e epidemias acabaram com a antiga Grécia, com Roma Imperial, e se espalharam pelo mundo da Idade Média como um espetro de vicissitudes. Com o advento da medicina, dos antibióticos e vacinas pensava-se que era o fim das epidemias. Mas novos vírus (super vírus) estão surgindo e mesmo a mais avançada medicina não se mostra capaz de detê-los. 
                      De todas as tribulações que o homem sofreu em sua história, as doenças contagiosas foram as mais fatais. Morreram mais pessoas em epidemias do que em guerras e catástrofes. 
                      Em 429 a.C., terminou a Idade do Ouro de Atenas. Primeiro a morte atacou os jovens que viviam e amavam no baixo porto. Depois, embrenhou-se pelas ruelas e becos da cidade alta. E espalhou-se insidiosa. O médico Hipócrates aconselhou que se usasse de muito defumador, embora ditasse essa orientação, a salvo, de sua ilha-refúgio. De nada adiantou: um em cada três habitantes morreu, fosse abastado da cidade alta, miserável do Pireneu, ou mesmo Péricles - então líder dos democratas radicais - e seus filhos. De seu refúgio, Hipócrates diagnosticava uma atmosfera pestilenta e miasmática em Atenas, trazida pelo excesso de refugiados e soldados que, 
segundo sua teoria, podia ser purificada pela defumação. 
                       Hoje sabemos que quatro vírus se abateram sobre Atenas foram a varíola, o tifo, a disenteria e a febre-amarela. Ninguém sabia diferenciar as doenças, e por isso chamavam todas, simplesmente, de loimos (peste). O loimos foi pior que a sangrenta Guerra do Peloponeso. E significou o fim da Grécia. 
                        Séculos depois, surgiu uma nova estrela: Roma, cidade situada entre colinas, abastecida com água fresca das montanhas, canalizadas por eficiente sistema de aquedutos, embora Horácio, amigo do Imperador Augusto, já profetizasse: "Balnea, vina, venus corumpunt corpora nostra)." "(Banhos, vinho e amor destruirão nossos corpos)". 
                        Mas o poeta se enganou. Não foram os banhos, o vinho ou o amor que destruíram o corpo de seus patrícios romanos. Quem se encarregou disto, 400 anos depois, foi o mosquito transmissor da malária. Como o sistema de canalização estava quebrado, formaram-se pequenos pântanos ao redor da cidade, o que contribuiu para a proliferação da peste. Assim, a febre passou a atacar no verão, enfraquecendo as gloriosas legiões de César. Mas a malária afetou também os inimigos de Roma. Em 400 d.C. atingiu o rei Alarico e os visigodos. Em 452 foi a vez dos hunos e, três anos depois, dos vândalos. No final só houve um vencedor: a malária, mal que foi capaz de transformar a Cidade do Mármore em uma triste ruína.  Em 1350 havia apenas 17 mil habitantes atrás de seus muros. Até mesmo os papas tinham abandonado a Cidade do Vaticano e se mudado para Avignon, no sul da França. Mesmo assim, foi lá que a peste alcançou o Papa Clemente VI. 
                        Em 1348 e 1349, a peste matou cerca de 20 milhões de europeus.  Paris perdeu 50 mil habitantes, a metade de sua população. Em Hamburgo e Bremem morreram dois terços; em Veneza, quatro quintos. Luebeck ficou deserta em poucos meses. Nove das dez cidades hanseáticas foram vítimas da peste. Em Chipre e na Groenlândia a epidemia não deixou sobreviventes. Era uma situação desesperadora. Pais largavam seus filhos à própria sorte, médicos abandonavam pacientes e os padres se ocultavam por trás dos muros dos mosteiros. O cronista de Viena registrava: "Não se encontra quem enterre os mortos, nem por dinheiro, nem por amizade." 
                         Enquanto os empesteados atravessavam os campos, flagelando-se com açoites, culpavam-se os judeus pela tragédia. Assim, em 9 de janeiro de 1349, na cidade de Basiléia, numa casa de madeira situada no centro de uma ilha, queimou-se toda a comunidade judaica (cerca de 400 pessoas). Em Maiença, foram exterminados cerca 6 mil judeus de uma só vez, como também em muitas outras cidades alemãs. 
                          O papa ficava diariamente entre duas grandes fogueiras, conforme orientação médica, como forma de afastar os miasmas do corpo. Até que a epidemia arrefeceu-se e, por fim, extinguiu-se. 
                         O capítulo mais tenebroso da Idade Média terminava. Mas a peste ainda voltou dezenas de vezes, durante mais de trezentos anos. 
                         De todas as tribulações que o homem sofreu em sua história, as doenças contagiosas foram as mais fatais. Morreram mais pessoas  em epidemias que nas guerras, erupções vulcânicas, inundações, terremotos, homicídios em massa, emfim, tudo de que a natureza ou o homem dispõe em seu arsenal de morte. 
                        As epidemias sempre fizeram e continuarão a fazer história. A varíola, trazida pelos conquistadores ibéricos e seus escravos para o Novo Mundo, ditou o fim das civilizações pré-colombianas. O próprio Napoleão Bonaparte temia mais a peste do que a seus inimigos. E foi por causa dela - e não dos muçulmanos - que em 1799 fracassou na batalha do Egito. E até a sua morte - causada por veneno inglês - estava certo de que sua grande "armée" não fora vencida pelos russos e sim pelo tifo.  
                        Ainda em 1348 d.C., a famosa Universidade de Paris responsabilizava pela peste a tríade formada pelos planetas Saturno, Júpiter e Marte.  Quinhentos anos depois, em 1846, a mesma instituição ainda reforçava a tese de que a peste não era contagiosa. Para os velhos médicos, um meteoro, eclipse  ou qualquer outro fenômeno meteorológico eram prognósticos para o surgimento de epidemias. O povo comum, entretanto, frequentemente sabia mais que os instruídos; dava menos atenção às constelações que aos ratos correndo entre seus pés. 
                        Na medicina, o novo conseguia se impor com dificuldade. Dessa forma, até meados do século XIX, pouco ou nada havia mudado desde a época da Hipócrates. Mas, já em 1860, o Dr. Ignaz Semmelwes - mais tarde reconhecido como "salvador das mães"- declarava seu colega Prof. Scanzoni como "assassino perante Deus e o mundo". Isso porque Scanzoni ridicularizava as exigências de Semmelweis pela assepsia das salas de parto. 
                         Nos últimos anos, o reino das bactérias e vírus foi deslindado pela medicina. O grande prestígio social que os médicos desfrutam atualmente resulta, em grande parte, de sua capacidade de lutar contra os germes que o paciente não vê. 
                        Em 1978, a Organização Mundial de Saúde anunciou: "Não há mais varíola sobre a Terra. O último paciente que os médicos da OMS cuidaram foi um cozinheiro da Somália. E diziam: quem ainda conseguir descobrir um doente portador de varíola tem o direito a mil dólares  em dinheiro. "Em 1978 a medicina já sonhava com a vitória final sobre os inimigos invisíveis e da erradicação de todas as doenças infectocontagiosas. Até que surgiu a AIDS e posteriormente as já famosas "superbactérias" que assombram o mundo globalizado.
                       No primeiro Congresso Mundial Sobre AIDS, aventou-se que essa epidemia podia muito bem ser comparada às terríveis pestes da Idade Média. A única diferença é que a AIDS levava a uma morte mais lenta, um mal como o câncer  que também não tem um final rápido da noite para o dia. 
                      A peste negra, que matou mais de 50 milhões de europeus entre 1347 e 1351, pode ser considerada como a grande referência para temermos uma nova pandemia. Os estudos indicam que a devastadora bactéria medieval difere muito pouco das que hoje circulam pelo mundo. Está comprovado que as causas da tragédia medieval foram mais por fatores socioambientais do que pelas características genéticas da patologia. O nosso moderno arsenal de antibióticos tem nos possibilitado uma defesa contra bactérias, mas isto pode estar com o tempo contado. A crescente resistência humana a antibióticos poderá fazer com que esses medicamentos não sejam mais eficazes em futuro bem próximo. Estamos prestes a viver uma nova era da medicina: a era pós-antibióticos, na qual uma simples infecção, causada por um pequeno corte ou arranhão, levara fatalmente à morte. Uma era pós-antibióticos significa o fim da medicina moderna como conhecemos. 
                       Hoje, a indústria farmacêutica, de forma subliminar, incentiva a automedicação. Um verdadeiro crime contra a saúde da população. As bulas que encontramos nas caixinhas de remédios são escritas de tal forma que induzem os doentes a usá-las em substituição ao médico, que é o único profissional capaz de identificar adequadamente as doenças e tratá-las com o remédio correto.  No Brasil já existe muito mais farmácias do que supermercados. Cada paciente se automedica de acordo com sua vontade e, dessa forma, se torna uma espécie de cobaia, na medida em que vai testando remédios diversos, sempre na tentativa de achar algum que o cure. Trata-se, portanto, de uma tragédia anunciada que tornará o organismo humano cada dia mais resistente aos medicamentos. Chegará, infelizmente, o momento em que nada do arsenal que temos poderá curá-lo. Sobre este assunto, em 2008, escrevi um artigo que poderá conferir clicando no link. A SUPERBACTÉRIA - PERIGO À VISTA
Nicéas Romeo Zanchett 
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